A toxina botulínica se popularizou no Brasil através da marca Botox e o seu uso no tratamento de rugas e linhas de expressão. Mas ela também é utilizada para tratamentos terapêuticos devido ao seu efeito de relaxar a musculatura.
A toxina botulínica é uma neurotoxina, produzida pela bactéria Clostridium botulinum. No local onde ela é aplicada há uma inibição da liberação de acetilcolina, um neurotransmissor responsável pela contração do músculo.
Devido a esse efeito de inibição de contração muscular, começou-se a divulgar o uso da toxina botulínica para o controle do Bruxismo. A ideia seria aplicar o produto nos músculos da mastigação para cessar ou diminuir a contração deles na tentativa de tratar o bruxismo.
Mas será que a toxina botulínica trata o Bruxismo? Eu afirmo que NÃO! Leia até o final para entender melhor, não perder saúde, tempo e dinheiro.
Bruxismo é um movimento dos músculos da mastigação comandado pelo nosso sistema nervoso central. Clique aqui para saber mais sobre os tipos de bruxismo.
1. Não conseguimos infiltrar todos os músculos envolvidos no bruxismo
Só é possível aplicar a toxina botulínica nos músculos mastigatórios mais superficiais, como o masseter e o temporal, que são músculos que abaixam e elevam a mandíbula (fazem a gente abrir e fechar a boca). Os músculos pterigóideo medial e lateral, que são os músculos que movimentam a mandíbula para o lado, são muito profundos e não é possível aplicar a toxina botulínica neles.
O movimento de lateralidade (ranger) continuará, muitas vezes com contato dentário, apesar da redução da força muscular.
2. Não podemos paralisar toda a musculatura mastigatória
Não podemos paralisar todos os músculos da mastigação uma vez que eles executam funções importantes como mastigar, falar e engolir e participam até da respiração.
Desta forma, os músculos continuam exercendo o seu movimento, apenas com a força de contração diminuída. O "botox" não impedirá a ocorrência do bruxismo.
3. A toxina botulínica age na periferia e o bruxismo tem origem no sistema nervoso central (cérebro).
Quem comanda o movimento dos músculos mastigatórios durante o bruxismo é o sistema nervoso central. A ação da toxina botulínica é local, não interferindo no funcionamento do nosso cérebro, que é quem comanda o bruxismo.
O bruxismo continuará ocorrendo.
4. É um tratamento invasivo, que pode ter efeitos colaterais e conseqüências danosas em longo prazo como:
Sim, há efeitos colaterais.
Você pode ter dificuldade ao mastigar alimentos mais consistentes e acumular alimento entre a bochecha e os dentes durante a mastigação, afinal você está reduzindo a força muscular de músculos que fazem a sua mandíbula abrir e fechar quando aplica toxina botulínica neles. Há pesquisas que comprovam que o uso contínuo de toxina botulínica nos músculos mastigatórios podem diminuir a densidade óssea da cabeça da mandíbula. O seu uso contínuo pode trazer danos estruturais e mecânicos aos músculos infiltrados (atrofia).
5. O efeito da toxina botulínica dura de 4 a 6 meses, havendo a necessidade de reaplicação
É um tratamento caro, que precisa ser refeito a cada 4 a 6 meses e que não tem ação sobre o bruxismo como já foi aqui explicado.
6. Não há evidência científica que justifique o seu uso no tratamento do bruxismo em detrimento das terapias convencionais já utilizadas.
7. O uso da toxina NÃO dispensa o uso da placa oclusal em pacientes com bruxismo do sono.
Conseguimos controlar os efeitos deletérios do bruxismo com outras terapias mais eficientes, menos invasivas, reversíveis e com menor custo.
No tratamento do Bruxismo devemos:
Usar terapias não invasivas, reversíveis e com boa aceitação pelos pacientes.
Guiar o tratamento através de um diagnóstico correto, considerando os diferentes tipos de bruxismo.
A placa oclusal tem seus benefícios cientificamente comprovados e é a única forma de proteger os dentes dos efeitos deletérios do bruxismo do sono.
Conscientizar, educar e incentivar o paciente para as mudanças comportamentais necessárias em cada tipo de bruxismo.
O uso da toxina botulínica é indicado apenas para pacientes com bruxismo secundário a problemas neurológicos ou psiquiátricos.
Referências
Raphael KG, Janal MN, Tadinada A, Santiago V, Sirois DA, Lurie AG. Effect of multiple injections of botulinum toxin into painel mastigatory muscles on bone density in the temporomandibular complex. J. Oral Rehabil. 2020 47(11):1319-1329. doi: 10.111/joor.13087
De la Torre Canales G, Câmara-Souza MB, do Amaral CF, Garcia RC, Manfredini D. Is there enough evidence to use botulinum toxin injections for bruxism management? A systematic literature review. Clin Oral Investig. 2017 Apr;21(3):727-734. doi: 10.1007/s00784-017-2092-4. Epub 2017 Mar 2. PMID: 28255752.
Raphael KG, Tadinada A, Bradshaw JM, Janal MN, Sirois DA, Chan KC, Lurie AG. Osteopenic consequences of botulinum toxin injections in the masticatory muscles: a pilot study. J Oral Rehabil. 2014 Aug;41(8):555-63. doi: 10.1111/joor.12180. Epub 2014 May 17. PMID: 24836732.